A última parada.


Meu primeiro emprego foi como cobrador de ônibus. Meu pai já trabalhava na empresa e acabou me conseguindo esse emprego.

No começo era péssimo, minha bunda ficava dormente devido as longas horas sentado na mesma posição, o calor era infernal, e a quantidade de pessoas, bem, isso nem se fala, tinha tanta gente nos horários de pico que nem sequer uma única barata conseguia se mexer com liberdade. Com o tempo fui me acostumando com a sensação de não sentir o próprio traseiro, com o calor do inferno e até mesmo com o rebanho de pessoas indo para o abate.

Na minha vida como cobrador, eu vi muitas coisas. Muitas coisas perturbadoras e terríveis. O assédio que vi várias mulheres e até mesmo alguns homens sofrendo enquanto todos só observavam e aceitavam, sem coragem, sem força para impedir, assim como eu também não tinha. Vi egoísmo vindo de pessoas que preferiam fingir demência ou sono ao ver um idoso, um deficiente ou gestante entrar no ônibus. Eu via a tristeza no rosto de cada uma das pessoas que entravam, olheiras enormes, olhos vermelhos de sono, suspiros de descontentamento ao chegarem aos seus destinos. Sem sombra de dúvidas, o acontecimento mais recorrente eram os passageiros tocando música em seus celulares, aquilo tornava toda a situação ainda mais desagradável, afinal, não há nada melhor do que aturar tudo isso ao som de Mc Guime.

Quando eu conto essas coisas as pessoas imaginam que eu larguei essa vida a muito a tempo, o que deixa a expressão em seus rostos ainda mais engraçada quando eu digo que continuo nesse emprego a mais de 20 anos. Para alguns, eu sou um fracassado, mas eu não concordo. Vivi a minha vida como quis e criei um apreço a profissão. Eu costumo dizer que ser cobrador é igual a beber cerveja, no começo é ruim, é amargo e você se pergunta o motivo de ter colocado aquilo na boca para começar, porém, um dia você se acostuma e passa a gostar.

Hoje em dia não tem mais tantos ônibus rodando como antigamente. Também não há mais pessoas como antigamente, o que é bom, ainda temos passageiros que vão em pé, a quantidade nem se compara. Hoje em dia, eu conheço todos que usam meu ônibus. Tem a dona Vera que vai nas terças, quintas e sábados para o programa de idosos, talvez eu devesse ter ido a esse lugar algum dia. Rem a Bia, que está cursando biologia, ela sempre se gaba que vai salvar os tigres da extinção ou algo assim, esses jovens sempre com tanto calor no peito, é algo de se invejar. O Rodrigo, por outro lado, trabalha na fábrica de vitaminas para tentar ajudar a mãe, particularmente eu não sou muito fã das vitaminas, mas elas sem dúvidas são muito mais baratas que comida normal. Se eu fosse falar de todos, ficaríamos aqui até amanhã, e eu imagino que não temos tempo para isso.

Pelo visto, acho que chegamos, essa deve ser a última parada. Está perguntando se eu me arrependo? Bem, tenho alguns arrependimentos, não posso negar, mas, no geral, consigo olhar para a minha vida e pensar “não foi tão ruim assim”.

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