O vagante

Eu estava na taverna bebendo com meus amigos, assim como faço todos os domingos.

- Já deu minha hora. – Disse. – Uma boa noite para quem fica.

- Mas já? – Indagou Pedro, um de meus amigos.

- Deixe de ser maricas, a noite mal começou! – Retrucou Adão, outro grande amigo meu.

- Não ouviram as histórias? – Perguntei. – O vagante anda pelas redondezas, eu estou de partida, e vocês deveriam fazer o mesmo.

- Vagante, acreditas nessas histórias de crianças? – Adão Retrucou.

- Claro que acredito, e se fossem sábios acreditariam também.

- Espera, vagante? Que história é essa? – Pedro me perguntou enquanto dava mais um gole de sua caneca.

- O que eu ouvi de todas as histórias que me contaram, é que o vagante é um espirito amaldiçoado, ele vaga sem rumo, trazendo uma densa névoa consigo...

- Só isso? -  Interrompeu Pedro num soluço. – Esperava mais.

- Calma lá focinho de porco, eu ainda não terminei. Onde eu estava?

- Na parte da névoa densa.

- Ah sim, isso mesmo. Ele vem trazendo uma névoa maligna que grita em seus ouvidos sem fazer barulho, ela mostra os seus pesadelos na frente da sua vista, contam os viajantes que a névoa consegue destruir sua sanidade só de passar poucos segundos nela, dizem que quem se perde nela, fica perdido por toda eternidade, sem saber quem é, sem conhecer nada além do medo.

- Caramba, é uma realmente uma história assustadora. – Disse Pedro.

- É como eu disse, uma história para manter as crianças dentro de casa durante a noite, nada além disso. – Disse Adão enquanto balançava uma coxa de frango no ar.

- Isso é tudo sobre esse tal de vagante? – Pedro me perguntou.

- Não, não, ainda tem mais, porém, essa parte da história diverge um pouco, então irei contar ambas as partes. Tem uma história que fala que o vagante era um anjo, porém, diferente dos demais, ele foi corrompido, um forte desejo sombrio correu seu coração, o desejo de exterminar toda impureza existente.

- E como isso pode ser um desejo sombrio? – Pedro indagou.

- Bem, ele desejava exterminar tudo que manchasse a beleza da criação divina, e ele julgou que nós fazíamos parte dessa mancha, assim como todos as outras criaturas. Por sorte, suas intenções foram descobertas e ele foi condenado a vagar por toda eternidade, sem rumo, sem saber o seu propósito ou o motivo da sua existência.

- Mas isso não faz sentido, se for contar uma história então conte direito! – Adão reclamou. – Se ele foi amaldiçoado a vagar sem propósito, então por que diabos os deuses deram a ele essa tal névoa?

- Acontece que a vontade do anjo era tão forte que ela não foi completamente apagada do seu coração, isso fez com que poderes estranhos se manifestassem, como seu coração anseia pela volta do que era antes, ele vaga coletando as almas daqueles que encontra na tentativa de reaver seu eu do passado, porém, como isso não é possível, ele acumula as almas de suas vítimas em um enorme caixão que carrega. Os viajantes dizem que caso ele consiga a alma de um anjo, ele retornará ao que era antes e irá banhar o mundo em caos.

- Eita! Essa parte me deu até um arrepio na espinha. – Falou Pedro enquanto segurava seus braços tentando evitar a tremedeira.

- Hm, eu não achei nada demais, historinha muito fraca isso sim. – Disse adão enquanto mordia a cocha de frango. – Mas então, qual era a outra versão?

- Mas você não disse que a história era fraca Adão? Está curioso, é isso mesmo?

- Eu não, mas se for para contar algo, tem de ir até o final, mesmo se for uma historinha mequetrefe dessas aí.

- Pois bem, a pedido do público, eu continuo, a segunda história conta sobre um homem, um homem mais maligno que qualquer demônio, mais ganancioso que qualquer dragão e mais podre que qualquer peido do Adão. Contam que esse homem desafiou a própria morte, tentando escapar do seu beijo mortal, o tiro porém, saiu pela culatra, no fim, nem os céus ou o mais baixo dos infernos aceitava a sua alma, sem lugar para ir, ele foi condenado a vagar pelas terras dos vivos, porém, ele não aceitava essa condição, então, ele passou a roubar as almas dos vivos e armazena-las em seu caixão, para que dessa forma ele pudesse comprar sua liberdade com elas, com o tempo, ele esqueceu seu nome, sua história e até mesmo perdeu seu rosto, a única coisa que sobrou, foi o desejo sem fim de guardar almas que não lhe pertencem, almas essas que ele se quer se lembra por que guarda.

O silêncio tomou conta da boca dos dois por alguns segundos, até que Pedro rompeu o silêncio.

- É, eu acho que já bebi demais por hoje, está na hora de ir para casa.

- Então espere por mim, já estou terminando essa coxa mesmo.

- Bem, então vamos todos para casa? – Disse com um sorriso no rosto.

- Sim, sim, já estamos indo. – Eles responderam em coro.

- Ótimo, vamos todos juntos então.

Ao sair da taverna a lua brilhava forte no céu, ela iluminava a estrada de pedras quase tão claramente quanto o sol.

- Tudo bem, eu admito, a história do vagante não era tão ruim assim. – Disse Adão no meio do caminho para casa.

- Eu a achei muito... fascinante. – Disse Pedro tentando se esquentar do frio da noite.

- Não precisam se preocupar, ela não passa de uma história contada pelos viajantes para em troca de algumas moedas, não precisam ter medo.

- Eu não estou com medo. – Disse Adão estufando seu peito como um galo.

- Que engraçado. – Disse Pedro.

- O que é engraçado? – Perguntei.

- Quando nós saímos da taverna, tinha tanta névoa assim?

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